Rodrigo Capelo
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Por Rodrigo Capelo

É natural que se dê exagerada atenção ao que fazem os novos donos de clubes no Brasil. São eles que colocam dinheiro novo na mesa, escolhem técnicos e contratam jogadores. O futuro do futebol naquilo que mais interessa ao torcedor, o resultado, depende das decisões que essas figuras tomam. Mas há outra história que ninguém dá bola, de igual ou até maior importância para o resgate dessas instituições. Foi encontrada controversa solução para dívidas do passado: a recuperação judicial.

Adoto o termo “calote” no título deste artigo por causa da inapelável necessidade de estimular a sua curiosidade. Deixe-me colocar em termos ligeiramente mais brandos, antes de qualquer coisa, pois a ideia não é descredibilizar o mecanismo. Nem toda recuperação judicial representa um calote em credores. É possível que se chegue a um resultado equilibrado, em que entidades cronicamente endividadas se recuperam e pessoas recebem aquilo a que têm direito. Mas que há muito calote, há.

Cruzeiro, Coritiba, Chapecoense, Joinville, Paraná e Santa Cruz deram entrada em processos de recuperação judicial. Basicamente, bloqueios e penhoras são suspensos para que clubes e credores façam renegociação mediada pela Justiça. Geralmente, esse acordo envolve descontos e novos prazos para pagamento. O Coritiba, que já concluiu a negociação e teve seu resultado homologado, até já terminou a jornada. Outros ainda estão na complexa fase de convencimento dos credores.

Paraná e Santa Cruz são os mais agressivos. Segundo as propostas apresentadas por seus dirigentes, credores devem aceitar perdão de 90% dos valores a receber. Também precisam esperar por 19 meses até que comecem a receber, ou seja, prazo de carência de um ano e meio. No caso desses clubes, o perdão é exigido de todos os credores, desde instituições financeiras e fornecedores, ex-atletas e ex-treinadores, até ex-funcionários, pessoas que dependem do dinheiro para sustento.

Chapecoense e Joinville propuseram 85% de desconto e três anos de carência para quase todos os credores. No caso da classe trabalhista, em dívidas de até 150 salários-mínimos, descontos são respectivamente de 65% e 50%. Detalhe: no caso da Chapecoense, estão nesta negociação as famílias dos jogadores que morreram no acidente aéreo em 2016. Elas perderam as pessoas, geralmente as que colocavam dinheiro em casa, e agora podem perder até as indenizações.

Cruzeiro e Coritiba não colocam descontos sobre dívidas trabalhistas de até 150 salários-mínimos. Um mínimo de dignidade. Seus dirigentes querem que todos os outros aceitem perdões de 75%. Ou seja, os cartolas contrataram técnicos e jogadores que não podiam pagar e usufruíram dos serviços: defesas, assistências e gols. As pessoas acionaram o Judiciário para receber o que lhes era devido, venceram ações e nunca conseguiram executar. Hoje são colocadas na parede para que haja perdão.

O futebol brasileiro vinha se guiando pela mentalidade “devo, não nego, pago quando puder”. Foi assim, com a negligência do governo e do mercado, que seus clubes fizeram dívidas de centenas de milhões de reais. Agora, dirigentes adotam o “devo, não nego, mas só pago se você perdoar 90% da dívida”. E coitado do credor que arriscar rejeitar tais planos. Já pensou a pressão que sofreriam de torcedores organizados e desorganizados se causassem a falência do clube? Eles, certamente já.

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